segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

CRÔNICAS DE SEGUNDA













DO FALAR SEM DIZER NADA
AO SILÊNCIO QUE FALA (ÀS VEZES)


                                                                                                  CHICO DE ASSIS




                 
                                                                                                Foto: Flavio Florido/UOL

                     Talvez a presidente Dilma Rousseff esteja certa em falar pouco. Não só porque o país precisava mesmo de um contraponto radical à verborragia hemorrágica do ex-presidente, como também porque diante de situações vexatórias ou simplesmente kafkianas o silêncio talvez seja a melhor das armas. Desnorteia os adversários, deixa-os confiantes de que estão ganhando o jogo, e quando finalmente é quebrado, por alguma ação incisivamente positiva, geralmente traz resultados significativos à imagem de quem soube manejá-lo a contento.

                      O problema é que toda moeda tem dois lados. E o difícil, no caso, é dimensionar até onde e por quanto tempo se pode jogar apenas com um deles. Porque se há explicações que não explicam nada - como seriam as do ex-presidente Lula -, há silêncios intérminos que teminam traduzidos em conivência ou covardia.

                      Até o momento, a condução dada por Dilma no manejo dessas molas muito sensíveis e sem dúvidas caras ao que se chama governabilidade - saber o quê e quando falar ou simplesmente calar - ainda não se enquadra em extremos. Nem a irresponsabilidade inesgotável do falar por falar, nem o pânico que leve à inação absoluta. Nas diversas situações constrangedoras que atravessaram esse primeiro ano de governo, tem-se cobrado no mais das vezes maior rapidez em seu enfrentamento. Mas não há nada que se aproxime, ainda, de uma perigosa e total paralisia governamental.

                     De uma forma ou de outra, as reações têm vindo. Senão em palavras, em atos. Quase sempre tardios. Às vezes, discutíveis em seus desdobramentos. Mas atos. Sinais de que alguma ação está em curso. Que a meu ver ganhariam muito em eficácia, se acompanhados de explicações convincentes. Que ajudassem, por exemplo, na formulação - e publicização - de uma verdadeira Política. 

domingo, 29 de janeiro de 2012

MODULAÇÕES PARA UMA MESMA DOR

                                                                                         Imagem extraida do Google                                        
                                           Chico de Assis

Com olhos de súplica
no fundo do poço
o companheiro espera
a palavra/consolo.

De mão estendida
no momento tenso
um ensaio de vida.

Mas as palavras
párias do silêncio
semelham ainda
a cactos da morte.

Voltamos então ao tédio
tornando a solidão
claustro do tesouro
quase descoberto.

E maior que a do poema
vivido e não escrito
sentimos a dor de não saber
como vivê-lo.



                                                                          Vietnã: 08/06/1972 - Foto: Nick UT/AP

Viste o transe da criança
na guerra em preto e branco
que sabes também tua.

Sentes o renascer da esperança
mas a morte em tua mente
reclama direitos de antiguidade.

E no combate interno
a que te entregas
a Luz soçobra
não sobra
nem salta
no verso.



sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

RESSURREIÇÃO

                                                                       Chico de Assis




                                           


Tua ternura dissipou-se
nas armações irreais
da tua classe.

Mas te espera
a ternura marcial
esculpida no barro
dos bairros operários.

Assim não chores mais
o tempo perdido.
O tempo (verdadeiro)
que se teve
não se perdeu. 

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A Chuva

                                                                             Chico de Assis





É alegre a natureza
quando chora.
O calor dissimula
e seu cessar
deixa um ar de reinício.

Os homens voltam ao trabalho
revigorados.
Os carros mantêm-se às ruas
acautelados.
E eu  retorno dos sonhos
tranquilo
               leve
                      aceitável.

sábado, 21 de janeiro de 2012

VISITAS PATERNAS


                                                                       CHICO DE ASSIS


                                                             
                                                                          
Chegam simplesmente
sentam sorriem
pouco sussurram
às vezes soluçam.

Mãe e pai calados
talvez pensem atônitos
ser o silêncio
a única ponte.

Para encontrar
entender reprovar
e principalmente amar
o filho.

Depois voltam.
Deixam a sombra
na poeira que abraça
o vento e o aceno. 

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

ALUMBRAMENTO

                                                                        CHICO DE ASSIS










                                                                         
                                                                   

Eu te senti crescer
sobre mim
como no ventre
a pele escorregar
sob meus dedos.

Não era minha
a boca me mordendo
nem meu o corpo em oferenda.
Eram do espaço e me envolviam
como a brisa sem se deter
ou o tempo sem passar.

Nossos olhos transmitiam
códigos inalcançáveis
pelo rumor reticente
de nossas frases.

A voracidade da noite
dominava meu corpo
enquanto o semi-círculo
da manhã deixava
em meia penumbra
ou lânguida preguiça
o alvorecer da carícia.

Mas foi na fronteira da tarde
que o exilado de longos anos
abandonou o mar de sua angústia
e ancorou no infinito do seu sonho.

UMA TRAGÉDIA EM TRÊS ATOS.


                                                                                   Chico de Assis

Prisão I

Flutua do poema
o desvario:
a sede de viver
intensitura
complicada de tecer.                                        

Repousa no poema
a violência:
o uivo de um gemido
intrasitivo.

Registro em meu poema
a impotência:
insana incompetência
de conter o morto
vivo.


Prisão II
Os olhos sem brilho
arqueiam as sobrancelhas
ou espelham sonolência.

Os dentes sem presas
não mordem a carne
das coisas.
                                                                 
A vida entre-olhos
entre-dentes
entre-parênteses.


O Torturado

Nos olhos de medo
desfilam os amigos.
A História à espreita
num vão de janela.

Minha mente passeia
sobre grutas companheiras
que induzem à confiança.
                                                                                                                                                      

Mas o meu corpo é um verme
sem muletas e habita
regiões desconhecidas
donde a humanidade foi repelida.

Tento inutilmente
alcançar a harmonia
das formas ou a ordem
cósmica das coisas.
Tudo se tece
em horas de coragem
lúcida ou se abate
num desespero/minuto.

A dor guarnece os limites
da cidade heróica
com os subúrbios
da vilania.  

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

MONÓLOGO DE CONSOLAÇÃO


                                                                                         CHICO DE ASSIS





Chora não companheiro
que o pranto
resolve nada!


Os mortos continuam mortos
a vida continua vida
o riso sem graça.

Ouves as palmas?
Parecem insensíveis
mas são frutos da impotência.

Olha: a dor não é nova.
Trouxemo-la de longe
reclusa no peito.

A caminhada é longa e antiga.
Tantos anos tivemos
os pés movediços na areia.

Nada vai mudar agora
chorar as cruzes
só porque visiveis na estrada.

Recolhe então tuas lágrimas.
Serão mais úteis na alegria
do anúncio do dia.

Mas só te encontrarás no teu tempo
de punhos e dentes cerrados
esmurrando paredes. 


terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O AMOR E OS MITOS





           Sob o ventre do crepúsculo, cruzamos as mãos e abrimos os olhos às flutuações da matéria corporal. Embalados ao vento, rendidos ao encanto de majestáticas catedrais, abandonamos o plano horizontal de nossas vidas, por outro vertical e acidentado, que nos transportaria à nova horizontalidade: a plenitude enevoada dos mitos.
             O amor nos parecia o parto de uma ternura granítica, recendendo à rocha onde sentamos a fadiga dos corpos. Crateras de afeto fixavam-se às pedras, através das quais impulsionamos o jogo de pernas em desamparo, casualmente transformadas em instrumentos do sexo.
     Naquele tempo, jamais pressuporíamos a diluição futura, prenunciada apenas no reflexo murmurejante, sobre nossos sentidos, das água de um mar distante. 



quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

MAGIA MADRILENA

                                                                     CHICO DE ASSIS




Chove em Madrid
e eu me recolho a mim
como num quarto de hotel
fecho os pontos nos is
da minha vida.
O sonho comunista acabou.
Transfigurou-se em pesadelo
ou em estertores da Historia.

A mística cidadã desvaneceu-se.
Perdeu-se no sem rumo
refém de um sistema
que a envilece.
Os amores sabem todos
ao amargo porque pactuados
nos limites da cidade erótica
com os escaninhos do desamor.

O trabalho não mobiliza
e se coisifica
na rotina do inútil.
Resta uma esperança:
porque chove em Madrid
e a noite de chuva madrilena
deu por encanto ao velho militante
a luz da manhã e uma energia de criança.


terça-feira, 10 de janeiro de 2012

ANÚNCIO DO NOVO

                                                                         CHICO DE ASSIS


Ficou para trás
o mofo dos anos.
Rompeu-se enfim
a malha de desencantos
território de utopias
avalanche de desenganos
rolando na esperança
do sonho renovado.

Agora é partir
e viver sem limites
tangenciando a morte.
Agora é amar
sem pudor sem guarida
nas cercanias da posse.
Agora é morrer
e sorrir pela vida.