sexta-feira, 20 de abril de 2012
quarta-feira, 18 de abril de 2012
DA MALDIÇÃO
CHICO DE ASSIS
Vem da infância essa
falta
de carinho e de consolo
sem guarida do amor
que alucina e é morte
antes da vida.
Assim como é deserto
o corpo
em que se delineia
o manto circunspeto
de um destino.
Vem de bem longe
quem sabe
de regiões tão
nebulosas
o grito mais aflito de
socorro
a ecoar sobre montanhas
pedregosas
crateras de afeto
que se instalam em
círculos
de raízes infecundas
ou sequer se instalam.
Vem dos campos
da solidão intramuros
fagulhas de incestos
e pensamentos interditos
amálgamas de uma fé
já renegada
mas sempre intermitente
nas frestas de um verso.
Se há revolta nos gumes
dessa pedra
são embriões da glória
fátuos clarões
que a presunção
entroniza
na falta do saber
que imortaliza.
Se
há sonhos se há mitos
a
insinuar esperanças
são
aluviões a permear
a
argila dos proscritos
perdidos
nas intempéries do tempo
lodaçal
de vaidades embutidas
nas
fímbrias do poder
que
tiraniza.
sábado, 14 de abril de 2012
SONETO DA UNIÃO
“Tijolo por tijolo/num desenho mágico”
cá estão quatro anos
de relação.
SONETO DA UNIÃO
(Contraponto intertextual com o
“Soneto da Separação”, de Vinicius de Moraes)
Não nem foi tão de repente assim.
Talvez em meu arrevessado canto
não foi do riso que se fez o pranto
e sim do pranto que se fez o riso.
“Um riso franco de varandas”
conforme a lavra de outro mor poeta
fez-se caminho e canteiro de flores
bálsamo de amor desaterrando dores.
Sim não foi tão de repente assim.
Foi muito mais o salto intermitente
nas reentrâncias do passado tempo
que condensado se tornou presente:
abriu veredas para os céus futuros
e entre clarões alicerçou o sempre.
(Chico de Assis, em 10 de abril de 2012)
sábado, 7 de abril de 2012
CRÔNICA DE UMA SAUDADE CRÔNICA
CHICO DE ASSIS
“Você
é um filho ruim, um filho ruim” – disse-me o velho em seu
delírio, enquanto eu tentava conter seu corpo magro em minhas mãos,
para impedir-lhe de levantar em meio a noite, uma rara noite em que
não suportei ficar acordado e o encontrei quase de pé, descendo do
leito do hospital público onde estava internado, recuperando-se de
uma parada cardíaca. Era a segunda noite que passava a seu lado
naquele hospital (antes se encontrava em hospital particular, com
assistência completa, mas valendo os olhos da cara e o médico amigo
que o havia atendido na situação de emergência dissera-me
convicto, vocês vão ficar só de cuecas, para cobrir as despesas
e provavelmente não vão conseguir, se ele ficar por aqui para o
período de recuperação, que imagino no mínimo de vinte dias).
Sugeriu então que o transferíssemos para um da rede pública, onde
ele cuidaria de garantir-lhe o essencial e o essencial incluía
acompanhamento para as noites. Por ser o único da família em
condições de fazê-lo, já que as irmãs, casadas, com filho ou
marido para cuidar, não dispunham de tempo naquele horário, eu
ali estava, depois de um cochilo que não consegui evitar, acalmando
o velho aos poucos, calma papai, calma papai, é para o seu bem, até
vê-lo acalmar-se de fato e quase sem forças balbuciar ainda, um
filho ruim, antes que a enfermeira chegasse e o pusesse de volta a
cama, para uma lavagem, é o que está incomodando-o, o intestino
funciona lentamente e ele se enche de gases, é normal, vamos cuidar
disso.
Eu
voltei ao beliche onde antes me encontrava, emocionado com o
incidente, recriminando-me por não haver conseguido evitar a
sonolência, e pensando no que faz essa aproximação, ditada
inicialmente pelo sangue e depois pelo convívio, seja qual seja,
sendo o meu com o velho marcado por altos e baixos, eu deveria dizer
baixos e altos, porque haveria de assinalar duas etapas bem
distintas, a primeira compreendida no período de infância e
adolescência, quando ele era apenas uma sombra severa, que não se
mexia em manifestações de carinho e apenas acompanhava o que
julgava essencial acompanhar, como vão os estudos dele? passou de
ano? por que vive sempre na rua?
A
segunda fase, na idade adulta, quando foi uma rocha de paciência e
solidariedade, acompanhando-me em todos os percalços da longa prisão
política a que fui submetido e esse acompanhamento implicava
participação em rituais que o enchiam de vergonha, como a submissão
às revistas impostas para que pudesse entrar como visita. Ele
aceitava resignado o que lhe parecia uma humilhação, ele um homem
de bem, fiel cumpridor dos seus deveres, sendo apalpado pelos
esbirros policiais, que com o tempo foram até compreendendo a
inutilidade da tarefa, aquele velhinho tão cordial não merecia
tratamento tão extemporâneo e o foram deixando incólume, o senhor
fica ai no quarto alguns minutos, depois sai, não vamos mais
revistá-lo. Suportaria tudo, contanto pudesse usufruir das horas
permitidas ao lado do filho, embora não conseguissem os dois
expressar em palavras o que estivessem sentindo e se limitassem a
lacônicos comentários, e a vida como vai?, ele perguntava, bem,
bem, eu respondia, estamos começando a arrumá-la, mas aqui há
tempo pra tudo.
segunda-feira, 2 de abril de 2012
EXERCÍCIO DO DIÁLOGO
(Sobre
Marina e Benício,
personagens
do meu novo romance Água de Mortas)
Por
Isadora Salazar Soares
(Isadora Avertano-Rocha)
Em
Aula de Dramaturgia Prof. Jô Bilac.
30/III/12
Elevador
de um grande prédio comercial urbano. Próximo da hora do almoço. O
elevador desce e pára em praticamente todos os andares. Em cada
andar onde o elevador pára entram e saem de seu interior secretárias
de sandália rasteira, executivos com mochilas de computador, médicas
que procuram a chave do carro na bolsa, crianças mimadas que
insistem em sentar no assoalho enquanto um constrangido avô deixa
cair exames de ressonância magnética no chão, advogados que não
interrompem conversas ao celular e um dentista vestido de branco,
ainda com a marca de seus óculos protetores sobre o rosto e cheiro
de bactericida de consultório. Uma mulher de lenço na cabeça
soluça e tenta disfarçar suas lágrimas escondida em seus óculos
escuros. A maioria diz bom dia ou boa tarde ao entrar no elevador –
alguns respondem de forma mais ou menos cordial e comentam sobre
ainda ser bom dia já que não almoçaram, outros simplesmente seguem
no cuidar de suas próprias vidas e nada respondem. O diálogo entre
os personagens se inicia no térreo. Há apenas três indicações de
ação em todo o texto. Não há indicação de sexo ou
caracterização desses interlocutores.
PERSONAGEM
1-
(AO FUNDO DO ELEVADOR, SEGURA FIRME O BRAÇO DE SEU INTERLOCUTOR):
Não vá!
PERSONAGEM
2-
(SURPRESO):
Por quê? (Tenta reconhecer a pessoa que o interceptou.Procura algo
nos bolsos: os óculos, talvez).
PERSONAGEM
1- Precisamos
seguir em frente.
PERSONAGEM
2- Como?
Desculpe, mas acredito que você tenha me confundido com alguém.
PERSONAGEM
1- Não,
veja, precisamos seguir em frente. Olha, você vai sair daqui agora,
dobrar uma esquina e depois a outra e quando finalmente achar que
dobrou o quarteirão inteiro nós vamos nos encontrar novamente.
Então, por que não seguir em frente a partir daqui?
PERSONAGEM
2- Olhe,
veja você: acredito mesmo que eu tenha sido confundido com alguém
da sua vida, mas essa realmente não é a hora. Há pessoas que me
esperam lá fora.
PERSONAGEM
1 –
Pessoas?
Quem? Quem pode ser tão importante nesse mundo a ponto de não
seguires em frente comigo? Quem? O sol que esturrica a pele do dia e
condena essa cidade imunda a mais cruel voragem da vida? Ah, não, my
darling,
quem? Quem pode ser tão importante? Você? Marina ? Marina está
morta, entenda isso!
PERSONAGEM
2- Morta...
PERSONAGEM
1 - E
Benício, o teu grande amor, também se foi com ela. Mortos! Quem,
então? Me diga? Te desafio! Mortos.
PERSONAGEM
2- Olha
só, vamos fazer um negócio: você me deixa sair daqui e eu tomo um
café contigo. Pronto, um café e você verá que tudo se dissipa,
toda essa maldita história de Benício e Marina, tudo se esclarece.
Um café apenas...
PERSONAGEM
1- Café?
Mas eu nem sonho em tomar um café contigo. E alimentar comida que já
é comida? Olha, dear,
isso aqui é um monstro que devora homens, mulheres e criancinhas e
já vamos a tempos na barriga dele.
PERSONAGEM
2-
Criancinhas...
PERSONAGEM
1-Sim,
as mesmas catarrentas que nos perseguem e que sempre nos perseguiram.
PERSONAGEM
2- Olha,
deixa eu te explicar o que você já não está mais em condições
de entender: olha para a frente. Você vê ? Isso aqui é apenas um
ponto de passagem. Nem ao menos é o começo ou o final. A chegada e
a partida não estão aqui. Você vê ? A chegada e a partida estão
ali, na entrada do prédio. E esse Benício e essa Marina de quem
você tanto fala eu nem sei se existem. Eles jamais existiram. Agora
me deixa sair que o que eu sei mesmo é que há alguém lá fora que
me espera além de mim!
PERSONAGEM
1- Mas
está tão quente lá fora... Olha que tu podes pegar uma insolação.
PERSONAGEM
2 – Que
nem aquela vez na praia... Lembra? Ficamos vermelhos até a pele
despregar do rosto. E era um dia lindo. Mas
não, vamos,
é só dar um passo e estaremos longe daqui.
PERSONAGEM
1- Mas
na próxima esquina há o encontro. E aí vamos virar uma e outra vez
até a próxima esquina. Virar todo um novo quarteirão, esbarrar em
uma ou outra pessoa até que estaremos de volta aqui.
PERSONAGEM
2 – Sim,
apenas a um passo da propriedade do tempo. Tempo. Do tempo... Mas
venha, vamos, venha, eu te ajudo. É só um passo...
PERSONAGEM
1- Ajuda?
Saio contigo então.
PERSONAGEM
2- Sim.
Mas, espera, o que é isso? O que diabos é isso ?
PERSONAGEM
1-
Descemos ao fosso. Passamos pelo subsolo muito rápido e agora são
apenas os freios próximos ao fosso que nos sustentam.
PERSONAGEM
2 – Freios?
Não entendo? E por acaso tu conheces de mecânica de elevadores
agora?
PERSONAGEM
1- Não.
Apenas sei como são os intestinos dessa engrenagem. Sabes, não é?
Eu já estive aqui. Nessa coisa. Nessa coisa que nos devora vivos e
nos engole como língua de fogo no interior de aeronave em acidente
aéreo. Aqui. Essa coisa.
(PEQUENA
PAUSA)
PERSONGEM
2 -
Shiiiiii.
Ouve!
PERSONAGEM
1 – O
que ?
PERSONGEM
2 - Peraí,
ouve: há chuva lá fora. Sentes o cheiro?
PERSONAGEM
1
– Chuva ?
PERSONGEM
2- Sim.
Chuva. Ouves as sombrinhas sendo abertas aí em cima?
PERSONAGEM
1- Não
ouço nada. Não ouço nada a não ser a ti. Nunca pude ouvir alguém
por mais tempo em todo esse tempo.
PERSONAGEM
2- Não.
Ouve agora! Agora que as luzes se apagaram. Toca. Toca essas paredes.
Sentistes? É água. É água que escorre por essas paredes e já
encharca os meus pés. Toca? Vamos, sente!
PERSONAGEM
1- Não,
é sangue. Sinto o cheiro de sangue.
PERSONAGEM
2- Não,
isso é cheiro de terra molhada. Terra molhada lá de fora, da
cascata e do jardim que ficam bem na entrada do prédio.
PERSONAGEM
1- Não.
É sangue. Reconheço o cheiro de sangue. Não ouves as crianças
mortas lá fora protegidas sob as sombrinhas que se abrem?
PERSONAGEM
2- Não,
é água e ela já bate em nossa cintura. Vamos! Pega essa bengala,
empurra o alçapão que está acima de ti e já já estaremos fora
desse poço.
PERSONAGEM
1- Não.
Não vejo essa saída. Está escuro aqui e agora eu esbarro em mãos,
pernas e blazeres de pessoas que não sei quem são. Elas viram uma
esquina e outra esquina, nos esbarram e sangram e eu nem sei quem
elas são.
PERSONAGEM
2- E
elas já respiram?
PERSONAGEM
1- Não.
Não sei. Acho que não.
PERSONAGEM
2 – Olha,
não faz isso comigo. Eu não quero mais esbarrar em ninguém e a
água já me cobre a boca.
PERSONAGEM
1- Não,
não faça isso você comigo agora. Olha, é só tu te moveres.
Empurra com força o teu braço para cima que a tampa do alçapão se
desloca e se abre para nós.
PERSONAGEM
2- Não.
Não posso. Vá você, se quiser porque eu não quero mais esbarrar
em ninguém e afinal precisamos seguir em frente, e dobrar uma
esquina, depois outra e sangrar e depois dobrar a outra. Olha, vem.
Eu te ajudo a sair daqui que a chuva ta engrossando.
PERSONAGEM
1- E
abandonar aqui todos os cadáveres que nos cercam?
PERSONAGEM
2- Eles
sempre estiveram ao nosso lado, meu amor.
FIM
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