domingo, 27 de novembro de 2011

JAZIGOS DA MEMÓRIA


JAZIGOS DA MEMÓRIA


Uma miragem me sustenta
em tempos de desalento.
Procuro dar-lhe a concreção da carne
mas temo o vazio
em torno da paisagem:
conheço apenas o tédio.

A hora esmigalhada
com-passada
marca a cada passo
o vôo do pássaro
e as asas do sonho
(partidas).

Durante anos busquei
o encontro
mitigando silêncios
maturados no desamor.

Durante anos
tenho tentado planos
tão confusos
escutado gritos
incendidos do pecado
à beira do abismo.

Mas eis aqui o resultado
de todas as rondas:
a face da traição
(gargalhada do ódio)
e o estertor da solidão
(lacrimejar da dor).

Assim me exponho
(e proponho) ao tempo
solitário clarim madrugada
em notas pelos muros.

Durmo no chão
perseguido na esquina
da violência inimiga.

Meto-me em ruas
sem nome em roupas
que não são minhas.

Ouço bater os portões
de casas não construídas
entre países e ruínas.

Assim me cruzo e divido
com outros no labirinto.
E ainda assim eu sonho.
Brumas de sol
entrecortando o túnel
do tempo.
Tudo em mim
foi em falso e dúbio.

Falto de ódio
ordenei ao povo
odiar nas ruas.

Falto de amor
marquei encontro
na esquina dos amantes.

Agora tudo é tão claro.
Na noite do meu corpo
sem estrelas
chego enfim ao porto
das lembranças esquecidas.

O fim da jornada
é sempre o reinício
de novas rupturas
entre corpo e espírito.

Sei que o recomeço é atraente:
condensa a ousadia dos inícios
e a cautela dos fins.

Mas até quando
reconhecer/recomeçar
será em mim
o inelutável ciclo
das opções mal feitas?

Recolho-me aos jazigos
perpétuos da memória
para delir
solitário em dor.

                                          Recife, setembro/76-julho/2002.
                                                     Chico de Assis

Dia da Liberdade


                                                   Chico de Assis


Dez anos engravidam
esse entardecer 
de múltiplas quimeras. 

A essência represada nas ruas
inunda minhas narinas
enquanto o vento
provoca um frêmito
no meu rosto.

O tempo que se foi
não esmaece e transparece
na mira do soldado
guardião da sala
onde se assina
o último ato.

Traços familiares
tateiam passos
na construção
de um novo rumo.

As marcas do passado
tornam movediço o presente
e imponderável o futuro.
Será isso ser livre?

(novembro de 1979)