sábado, 10 de março de 2012

DO QUARTO AO BANHEIRO



                                                                                                 CHICO DE ASSIS





Não vou falar aqui de exagerada auto-estima, mas             
desse amor tão popular que, como a caridade, 
começa em casa, na casa do próprio corpo 
- esse campo de batalha sexual onde tive minhas primeiras vitórias
 e nem uma só derrota...
                                      (CABRERA INFANTE)











Heloísa não gosta daquele jeito. Ela pede que a deixe inverter os papéis, assumir o que para ela era o melhor, porque a parte que tradicionalmente cabe ao homem, a iniciativa. E assim se empina sobre seu sexo, amazona imponente cujas mãos firmes puxam suas barbas, apertam depois seu pescoço e parecem conduzir a voz metálica, rancorosa, quieto, bem quietinho, se não apanha. Havia um prazer intenso nessa troca, como se a mudança dos pólos tradicionais, a perda momentânea de identidade, produzisse um curto-circuito que estremece todo o corpo, atingindo as entranhas e produzindo um gozo que se propaga pelos poros e arrepia todos os pelos, deixa, minha vida, deixa pintar tua boca.

Já com Raquel tudo se passa de forma completamente diferente. Ela adora ser dominada, da cabeça aos pés. No auge da excitação, salta-lhe sobre o colo, oferecendo-lhe as nádegas e apanhando a chinela embaixo da cama, bate, meu coronel, bate na sua cabritinha. Ele exerce com prazer cada vez maior o papel de algoz, deixando-se fascinar pelo infinito poder que pressente nas respostas paulatinas que ela lhe dá, até se deixar prostrar e se dobrar em prantos, me fode, me fode, como massa disforme, me esculhamba, sem vontade, me chama de galinha.
(Fora com Raquel que comprovara a polêmica afirmação de Nelson Rodrigues: toda a mulher gosta de apanhar, no fundo, no fundo. Raquel gostava literalmente. Talvez porque revivesse alguma experiência infantil, palmadas no bum-bum, o pai, adorava o pai. Embora houvesse passado metade de sua vida pensando que ele a odiasse, pensava que eu não era dele; mãinha, sim, que o fez pensar isso, por vingança. O certo é que gosta. Mal começam os jogos, ela pede que ele sente na ponta da cama, debruça o ventre sobre suas coxas, apanha o chinelo no chão e bate, meu amo, bate, quero ser sua escrava mais safada. Muitas vezes gozava, sem nenhum outro estímulo).

O equilíbrio (se é que o termo é adequado à situação) é vivido com Jaqueline, que aqui aparece por último, mas é sempre quem inicia a cerimônia, por não apresentar maiores excentricidades, senão a de aparecer de longo. em seda preta, com seus anéis, colares e perfumes que ia espalhando no percurso da sala ao quarto. Prefere fazer tudo em silêncio, falando às vezes com os olhos, que parecem súplices, ou com as mãos em concha, oferecendo os peitos enormes e obrigando-o, ele sim, a instigá-la, fala, amor, diz alguma coisa, enquanto ela se recusa, de olhos fechados, como se precisasse de concentração absoluta para percorrer o sinuoso caminho do gozo, que vinha num gemido longo, surdo, gutural.


(Na verdade, havia em Jaqueline dois outros fatores de atração. Era rica, muito rica, e ele, cara politicamente correto, experimenta cada encontro com ela como se fosse a classe operária fodendo a burguesia. O segundo fator era a idade. Cerca de dez anos mais velha, Jaqueline lhe permite a impressão de que soluciona através dela todos os seus enigmas edipianos, embora o aborreça muito a sensação próxima do asco ou o sentimento próximo da culpa que o acomete, cada vez que acaba de transar com ela).

Ele costuma usufruir lentamente do prazer que cada uma lhe proporciona, deixando-as expandir, uma de cada vez, todo o potencial de loucura e sensualidade que indiscutivelmente conduzem. Raramente junta as três, tanto para evitar possíveis cenas histéricas, quanto por considerar que isso o desconcentra. Somente uma vez, quando já dera início ao ritual e Jaqueline o recebera mais uma vez exuberantemente vestida, sentiu o corpo ofegante de Heloisa agarrando-o por trás. Ouviu então sua voz segura, você é meu, não se atreva, e percebeu o desconcerto assustado de Raquel, encolhida num canto. Inicialmente tímidas, elas se entreolham, se estudam, se perguntam por que haviam aceito o convite que ele insistentemente sugerira, até que Heloísa, teria mesmo que ser ela, roubou com um beijo o riso tímido e nervoso de Raquel, passando a exercer imediato e despótico poder, que se esvai em carícias e apertos e beijos, o beijo da mulher é melhor, mais suave, ela diz para provocá-lo. 
Daí em diante, nâo houve mais controle sobre a ação dos participantes, deixando-se tudo sob o comando exclusivo do instinto, que ordena a volta aos estímulos primários, ora os colocando numa pausa de perplexidade, mais realçada no rosto de Raquel, que tesão, meu Deus, que loucura estamos fazendo, ora os engalfinhando como bichos numa seqüência meteórica de posições, não sendo surpreendente assim vê-lo de quatro, com Heloísa altaneira em pé a sua frente, inebriando-o com o cheiro ativo de boceta que apenas insinua esfregar-lhe na boca, preferindo em troca untar-lhe as faces afogueadas do colostro que extrai da massagem com as mãos, cheira, vagabundo, sente o cheiro da tua rainha, enquanto Raquel cavalga-lhe as costas, experimentando pela primeira vez o prazer de comandar e se ver obedecida, anda cavalinho, lambe, beija, restando Jaqueline, meio ressentida por haver ficado até então um pouco de lado, estalando um chicote que combina bem com a elegância do seu corpo e de suas vestes, vocês vão ver agora com quem estão lidando, para finalizar o cenário que iria ser palco da promiscuidade de beijos e pernas e bocas que se abrem e se fecham, conforme seja a sofreguidão desesperada com que sua mão, freneticamente agarrada ao sexo, leva-o a esvair-se no frenesi final do gozo e o traz de volta à cama vazia, mal disfarçando uma ponta de frustração com o riso debochado que o levantou para o banho purificador do esperma, do suor e da solidão descomunal que por momentos julgou experimentar, no trajeto do quarto ao banheiro.