Chico de Assis
UMA VIDA SEVERINA
Seu nome é
Sujinho. Ninguém sabe por que nem quem o apelidou assim. Dizem que a
alcunha foi se fixando, entre os casais que enojados viam-no empurrar
o dedo na carne dos cocos que abre para vender. O que se sabe ao
certo é que todos os dias, chova ou faça sol, ele sai com sua
carrocinha de coco pelas areias da praia de Pau Amarelo. Faz um longo
percurso. Falam que do Janga até as mediações da praia de Maria
Farinha. Não menos de 6 kms, com certeza.
Sujinho
percorre essa distancia, indo e vindo, conversando com o vento.Se
alguém um dia quiser fazer um tratado sobre a solidão é só tentar
acompanhá-lo em sua inesgotável fabulação com um companheiro
imaginário. Ninguém decifra o que ele fala. Nem precisa. Juro que
certa vez tentei. Até perceber que aquela era apenas uma forma de se
sentir acompanhado. Excluído socialmente, rejeitado pelos
circunstantes que apenas o olham passar pela areia da praia, Sujinho
ignora a todos, falando um dialeto que só ele entende.
Certa vez
ele se aproximou de mim e de Beta – minha companheira atual e, se
Deus quiser, afinal, minha companheira pra sempre. Estávamos
sentados numa das inúmeras barracas da praia e ele se aproximou para
nos oferecer um coco. Pelo menos foi o que pensamos que ele fazia.
Porque ele se limitava a dizer, não vendi nenhum, não vendi nenhum.
Por sinal, ninguém efetivamente jamais o viu vendendo um coco
sequer. As histórias que circulam, entre os banhistas e comerciantes
da praia, é que ele é doido e toda a vez em que alguém tentou
abordá-lo para compra recebeu um desaforo ou terminou enrolado em
alguma confusão por ele armada. Nós o recebemos divertidos, mas
naturalmente dissemos que já havíamos tomado nossa água de coco.
Ele resmungou algumas frases em seu dialeto inaudível e tomando
distância já nas areias da praia fez com o braço o gesto
característico de uma banana.
De outra
feita, procuramos obter informações a seu respeito. De onde vinha,
onde morava, se tinha mulher, filhos. Ninguém sabia. É doido,
diziam todos. Monocórdios. Hoje Sujinho voltava pela pista. A chuva
forte o impedira do trajeto habitual nas areias da praia. Um carro
desgovernado o apanhou, levantando-o no ar e destroçando sua
carrocinha, dentro da qual não havia nenhum coco. Comentam que há
muito era assim: ele conduzia a carroça, ida e volta, apenas para se
sentir fazendo alguma coisa. Num acostamento de estrada, Sujinho
sumiu. Tão rápido quanto um dia havia surgido.
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