CHICO DE ASSIS
Não vou falar aqui de exagerada auto-estima, mas
desse
amor tão popular que, como a caridade,
começa em casa, na casa do
próprio corpo
- esse campo de batalha sexual onde tive minhas
primeiras vitórias
e nem uma só derrota...
(CABRERA INFANTE)
Heloísa não gosta daquele jeito. Ela pede que a deixe
inverter os papéis, assumir o que para ela era o melhor, porque a
parte que tradicionalmente cabe ao homem, a iniciativa. E assim se
empina sobre seu sexo, amazona imponente cujas mãos firmes puxam
suas barbas, apertam depois seu pescoço e parecem conduzir a voz
metálica, rancorosa, quieto, bem quietinho, se não apanha. Havia
um prazer intenso nessa troca, como se a mudança dos pólos
tradicionais, a perda momentânea de identidade, produzisse um
curto-circuito que estremece todo o corpo, atingindo as entranhas e
produzindo um gozo que se propaga pelos poros e arrepia todos os
pelos, deixa, minha vida, deixa pintar tua boca.
Já com Raquel tudo se passa de forma completamente
diferente. Ela adora ser dominada, da cabeça aos pés. No auge da
excitação, salta-lhe sobre o colo, oferecendo-lhe as nádegas e
apanhando a chinela embaixo da cama, bate, meu coronel, bate na sua
cabritinha. Ele exerce com prazer cada vez maior o papel de algoz,
deixando-se fascinar pelo infinito poder que pressente nas respostas
paulatinas que ela lhe dá, até se deixar prostrar e se dobrar em
prantos, me fode, me fode, como massa disforme, me esculhamba, sem
vontade, me chama de galinha.
(Fora com Raquel que comprovara a polêmica afirmação
de Nelson Rodrigues: toda a mulher gosta de apanhar, no fundo, no
fundo. Raquel gostava literalmente. Talvez porque revivesse alguma
experiência infantil, palmadas no bum-bum, o pai, adorava o pai.
Embora houvesse passado metade de sua vida pensando que ele a
odiasse, pensava que eu não era dele; mãinha, sim, que o fez pensar
isso, por vingança. O certo é que gosta. Mal começam os jogos, ela
pede que ele sente na ponta da cama, debruça o ventre sobre suas
coxas, apanha o chinelo no chão e bate, meu amo, bate, quero ser sua
escrava mais safada. Muitas vezes gozava, sem nenhum outro
estímulo).
O equilíbrio (se é que o termo é adequado à
situação) é vivido com Jaqueline, que aqui aparece por último,
mas é sempre quem inicia a cerimônia, por não apresentar maiores
excentricidades, senão a de aparecer de longo. em seda preta, com
seus anéis, colares e perfumes que ia espalhando no percurso da sala
ao quarto. Prefere fazer tudo em silêncio, falando às vezes com os
olhos, que parecem súplices, ou com as mãos em concha, oferecendo
os peitos enormes e obrigando-o, ele sim, a instigá-la, fala, amor,
diz alguma coisa, enquanto ela se recusa, de olhos fechados, como se
precisasse de concentração absoluta para percorrer o sinuoso
caminho do gozo, que vinha num gemido longo, surdo, gutural.
(Na verdade, havia em Jaqueline dois outros fatores de
atração. Era rica, muito rica, e ele, cara politicamente correto,
experimenta cada encontro com ela como se fosse a classe operária
fodendo a burguesia. O segundo fator era a idade. Cerca de dez anos
mais velha, Jaqueline lhe permite a impressão de que soluciona
através dela todos os seus enigmas edipianos, embora o aborreça
muito a sensação próxima do asco ou o sentimento próximo da culpa
que o acomete, cada vez que acaba de transar com ela).
Ele costuma usufruir lentamente do prazer que cada uma
lhe proporciona, deixando-as expandir, uma de cada vez, todo o
potencial de loucura e sensualidade que indiscutivelmente conduzem.
Raramente junta as três, tanto para evitar possíveis cenas
histéricas, quanto por considerar que isso o desconcentra. Somente
uma vez, quando já dera início ao ritual e Jaqueline o recebera
mais uma vez exuberantemente vestida, sentiu o corpo ofegante de
Heloisa agarrando-o por trás. Ouviu então sua voz segura, você é
meu, não se atreva, e percebeu o desconcerto assustado de Raquel,
encolhida num canto. Inicialmente tímidas, elas se entreolham, se
estudam, se perguntam por que haviam aceito o convite que ele
insistentemente sugerira, até que Heloísa, teria mesmo que ser
ela, roubou com um beijo o riso tímido e nervoso de Raquel, passando
a exercer imediato e despótico poder, que se esvai em carícias e
apertos e beijos, o beijo da mulher é melhor, mais suave, ela diz
para provocá-lo.
Daí em diante, nâo houve mais controle sobre a
ação dos participantes, deixando-se tudo sob o comando exclusivo do
instinto, que ordena a volta aos estímulos primários, ora os
colocando numa pausa de perplexidade, mais realçada no rosto de
Raquel, que tesão, meu Deus, que loucura estamos fazendo, ora os
engalfinhando como bichos numa seqüência meteórica de posições,
não sendo surpreendente assim vê-lo de quatro, com Heloísa
altaneira em pé a sua frente, inebriando-o com o cheiro ativo de
boceta que apenas insinua esfregar-lhe na boca, preferindo em troca
untar-lhe as faces afogueadas do colostro que extrai da massagem com
as mãos, cheira, vagabundo, sente o cheiro da tua rainha, enquanto
Raquel cavalga-lhe as costas, experimentando pela primeira vez o
prazer de comandar e se ver obedecida, anda cavalinho, lambe, beija,
restando Jaqueline, meio ressentida por haver ficado até então um
pouco de lado, estalando um chicote que combina bem com a elegância
do seu corpo e de suas vestes, vocês vão ver agora com quem estão
lidando, para finalizar o cenário que iria ser palco da
promiscuidade de beijos e pernas e bocas que se abrem e se fecham,
conforme seja a sofreguidão desesperada com que sua mão,
freneticamente agarrada ao sexo, leva-o a esvair-se no frenesi
final do gozo e o traz de volta à cama vazia, mal disfarçando uma
ponta de frustração com o riso debochado que o levantou para o
banho purificador do esperma, do suor e da solidão descomunal que
por momentos julgou experimentar, no trajeto do quarto ao banheiro.