Chico de Assis
Essa negra angolana
Moçambicana quem sabe?
é só uma negra
cujo ar de espanto não
percebe
que as coisas acontecem
lentamente na esquina do
Rossio
dessa Lisboa multietnica
enquanto esse vinho me
desce.
As coisas acontecem e
florescem
nas entranhas das praças
como aquele casal que de
mãos
teatralmente entrelaçadas
leva-as aos lábios
ou fazem-nas recolher
uma lágrima atordoada:
“Tu estás assim por
conta de ontem?”
- ele diz apoplético
sem ligar à raiva que o
sacode
e a mantém trêmula
para enfim se entregar num
abraço.
Essa negra também não
sabe
que de tão longe venho
para descobrir com ela
e outros dos seus irmãos
encontrados
em sussurros e
conciliábulos
os segredos entrecruzados
da raça
que também são os meus
e os trago recônditos
ah, eu os trago tão vivos
e tão latejantes à flor
da pele
que talvez nunca os possa
contar.
Essa negra enfim não sabe
o quanto me deu
nesse breve contato
e talvez um dia
os dois venhamos a
descobrir
por que fora eu
o único receptáculo
do seu ar atarantado
como o meu.
(em
04 de Abril de 2007, na Praça D. João I, em Lisboa, saboreando o vinho
tinto “Porca de Murça”)
Nenhum comentário:
Postar um comentário